Há uma virtude no gosto da cidade pelo deslocamento: os paulistanos enfrentam qualquer distância para comer bem – e isso é um elogio.
Outra constatação de um não-paulistano foi ver que todo mundo adora ter grandes cozinhas equipadíssimas em casa, cheia de gadgets, fogões com cozimento por indução, thermomix, mas raramente alguém cozinha, o que faz do morador de São Paulo um deambulante, sempre em movimento, sempre comendo fora. Ainda bem, acrescento, é isso que faz aumentar a oferta de comida e melhorou a qualidade dos restaurantes, lanchonetes e bibocas.
A prova é o sucesso do Mocotó, na Vila Medeiros (zona norte), que não era só modismo, como se vaticinou quando apareceu no mapa, mas, sim, uma ótima cozinha, que não decepciona e prosperou. Vale uma pequena reflexão sobre perto e longe: pense que quem mora lá acha o bairro dos Jardins bem distante…Longe é o que está afastado de você, afirmação irrespondível, apesar de digna do Conselheiro Acácio, o personagem de Eça de Queirós que falava obviedades.
Quando quero comer mil-folhas (toda semana), tenho duas opções: uma está a 9.104 quilômetros de distância, envolve um voo de 11 horas de duração e outras aporrinhações das viagens –para quem ainda não adivinhou, é em Paris. A segunda dista 5,9 km da minha casa e pode ser alcançada com uma pequena caminhada e algumas estações de metrô. Por isso, enfrento com mais conforto o que me separa da Tartelier Patisserie sempre que quero comer o melhor croissant da cidade, ou o melhor mil-folhas.
Se croissant já é uma coisa bem complicada de fazer (manteiga em profusão, trabalhada fria), mil-folhas é um desafio. Tem que ser montado na hora, senão fica molengo. O creme tem que ser muito bom, com baunilha real (estava me lembrando que o chef francês Olivier Roellinger oferece nada menos que 12 diferentes baunilhas na sua lojinha de temperos) e açúcar moderado.
É uma das minhas sobremesas favoritas –em empate com mais umas dez, mas não vem ao caso– e costumo ter mais decepções que alegrias aqui, nos restaurantes mais celebrados, ou viajando, em estrelados.
Os da Tartelier não falham, mil-folhas sempre frescos. Há uns festivais do doce, onde oferecem com outros sabores, mas eu gosto do clássico, com o creme de baunilha perfeito e as lâminas de massa folhada crocantes e corretamente sobrepostas.
E já que estamos lá “longe”, na Saúde, é oportuno aproveitar o pain au chocolat, os citados croissants, as tortas. O lugar é agradável, uma velha fábrica de esquina, com bancos na calçada e um clima de cidade do interior.